O Ministério Público Federal (MPF) retomou, na última semana, as críticas à lei que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas, logo depois de o processo de conciliação conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ter sido encerrado sem consenso em junho de 2025.
Em audiência na Câmara dos Deputados, a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, Eliana Torelly, reafirmou que a norma aprovada pelo Congresso Nacional — e vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — é “inconstitucional e desnecessária”.
O que diz a lei
A legislação determina que apenas as terras ocupadas por povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, podem ser demarcadas. O texto foi votado poucos dias depois de o STF rejeitar, por 9 votos a 2 em setembro de 2023, a tese que limitava a demarcação àquela data, alegando que a restrição ignorava expulsões, remoções forçadas e episódios de violência sofridos pelos indígenas.
Pontos reprovados pelo MPF
O MPF avalia que a lei significa retrocesso porque:
- impõe que depoimentos indígenas para laudos antropológicos sejam feitos somente em audiências públicas ou gravados em vídeo;
- prevê indenização por benfeitorias erguidas depois do início do processo demarcatório;
- autoriza ocupantes não indígenas a manter a posse até a conclusão da compensação.
Segundo Torelly, tais dispositivos estimulam conflitos e comprometem a efetividade da proteção constitucional aos povos originários.
Ações no STF
Desde 2021, o MPF sustenta que o marco temporal conflita com a Constituição e com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Em abril de 2024, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu formalmente ao STF que declare inconstitucionais trechos da lei e conceda prioridade aos processos que questionam a regra.

Imagem: Joedson Alves via gazetadopovo.com.br
Conciliação fracassada
Após o julgamento de 2023, o ministro Gilmar Mendes coordenou uma comissão de conciliação entre representantes indígenas e setores produtivos. Foram realizadas 23 audiências até junho de 2025, mas não houve acordo sobre temas como indenizações, participação das comunidades nos processos e critérios de posse. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deixou a mesa de negociações, alegando falta de consulta prévia conforme o artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Repercussão política
No ano passado, o presidente Lula declarou que o veto ao marco temporal teve caráter “político”, numa tentativa de sinalizar oposição ao texto aprovado pelo Legislativo. A decisão do STF de se antecipar ao Congresso também gerou reação de senadores, que acusaram a Corte de ultrapassar suas atribuições ao criar jurisprudência sobre o assunto.
Com o impasse mantido, o MPF reforça a posição de que os direitos territoriais indígenas são cláusula pétrea da Constituição e não podem ser condicionados a uma data específica.
Com informações de Gazeta do Povo