Desde o anúncio do novo pacote de tarifas aplicado pelos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) intensificou o discurso em defesa da soberania nacional e reforçou publicamente o alinhamento com o Brics. Ao mesmo tempo, a diplomacia brasileira atua nos bastidores para preservar o fluxo comercial com Washington, segundo maior destino das exportações do país.
Lei de Reciprocidade vira arma de pressão
Na quinta-feira (28), Lula autorizou o Itamaraty a iniciar consultas para eventual aplicação da Lei de Reciprocidade contra as tarifas norte-americanas. O processo pode levar meses, mas é visto pelo governo como forma de forçar reabertura de diálogo com a Casa Branca, que teria fechado canais de negociação desde a divulgação das novas alíquotas.
Relação comerciaI em queda, mas indispensável
Os Estados Unidos respondem por cerca de 12% da balança comercial brasileira. De acordo com Vinícius Rodrigues, professor de Relações Internacionais da Faap e da FGV-SP, a retórica de confronto atende ao público interno e tenta capitalizar politicamente o descontentamento com o tarifaço. “Substituir o mercado norte-americano no curto prazo é extremamente difícil”, avalia.
Chanceler, Fazenda e vice na linha de frente
Três frentes conduzem a tentativa de reaproximação: o chanceler Mauro Vieira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Reuniões em julho com autoridades dos EUA, porém, tiveram pouco efeito. Encontros de Vieira com o secretário de Estado Marco Rubio e de Alckmin com o secretário de Comércio Howard Lutnick não impediram o início das tarifas; já uma audiência de Haddad com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, foi cancelada sem explicação.
Analistas apontam que exigências políticas do presidente norte-americano Donald Trump, relacionadas ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, travam qualquer concessão. Para tentar reverter as sanções, a Advocacia-Geral da União contratou um escritório de advocacia nos EUA especializado em lobby comercial.
China ganha espaço, mas limitações persistem
Especialistas consideram que a postura de Trump empurra o Brasil para mais perto dos parceiros do Brics, especialmente a China, destino de 28% das exportações brasileiras. Logo após a vigência das tarifas, Lula telefonou ao presidente Xi Jinping e discutiu cooperação em saúde, petróleo, gás, economia digital e satélites. O brasileiro também voltou a defender a criação de uma moeda alternativa ao dólar nas transações internacionais.
Apesar da aproximação, há barreiras estruturais. O Brasil vende aos EUA produtos com maior valor agregado, como aço, alumínio, componentes elétricos e aeronaves da Embraer, itens para os quais o mercado chinês oferece pouca demanda ou possui concorrência direta, como a estatal Comac. “Para a China exportamos 90% de produtos básicos”, lembra Rodrigues.
Oportunidades para pequenas e médias empresas
Fagner Santos, especialista da JF Comex Consultoria, vê chance de nichos como café, sucos, açaí, calçados, moda praia e cosméticos naturais avançarem no mercado chinês. Ele ressalta, contudo, desafios regulatórios rigorosos.

Imagem: Juan Ignacio Rcori
Multilateralismo segue prioridade
Para Lia Valls, pesquisadora do Ibre/FGV, a melhor estratégia brasileira continua sendo o multilateralismo. Ela observa que Brasília já concluiu acordo com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), internaliza tratado com Singapura, negocia com a União Europeia e mantém conversas com Coreia do Sul, Japão, México e Canadá.
Missão de Alckmin ao México
Nesta semana, Alckmin viajou ao México acompanhado da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e participou do Fórum Empresarial Brasil-México. Em 2024, o Brasil exportou US$ 7,8 bilhões e importou US$ 5,8 bilhões do parceiro latino-americano. O México, que também sofre sobretaxas dos EUA (25% para veículos e 50% para aço, alumínio e cobre), tornou-se o segundo maior comprador de carne bovina brasileira após a medida norte-americana.
Apesar do interesse mútuo, a presidente Claudia Sheinbaum descartou na quinta-feira (28) um acordo de livre-comércio nos moldes do firmado entre seu país e os EUA. Ela defendeu, porém, ampliar cooperação econômica e setorial com o Brasil.
As negociações prosseguem enquanto o Planalto tenta equilibrar o discurso de enfrentamento aos EUA, a necessidade de preservar um mercado vital e o desejo de fortalecer laços dentro do Brics.
Com informações de Gazeta do Povo